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2018 em 2068

  • Writer: Ana Henriques
    Ana Henriques
  • Dec 30, 2018
  • 3 min read

"Sabes porque é que viajar é um investimento melhor que comprar bens materiais?" perguntou a minha amiga Franzi enquanto passeávamos pelas ruas estreitas de Veneza no primeiro dia do ano de 2018. Eu sorri e lembrei-me das nossas explorações de scooter em Bali. Das pessoas que conhecemos, da comida que provámos, dos banhos de sol, das águas de côco, das festas...

"É claro que sei! Comprar um carro não me faria mais feliz que a nossa viagem à Indonésia!"

"Sim, mas a razão científica".

E aí a Franzi explicou-me: a memória é uma coisa gira. Com o passar dos anos, o cérebro faz com que as nossas boas memórias se vão tornando ainda melhores. Ou seja, a nossa viagem à Indonésia, daqui a uns anos vai ser ainda melhor do que é hoje. Estilo comprar uma casa. Ou o vinho do Porto.

Passaram 363 dias desde esta conversa. O Miguel não se cala com a palavra "resolução" e todos à minha volta falam de objetivos cumpridos e de planos para o novo ano.

2018 foi o ano em que vivi o melhor de Itália: finalmente com um ordenado de gente grande, fartei-me de viajar, de ir a restaurantes, de andar de barco. Um fim-de-semana em casa era um fim-de-semana perdido com tanto à minha volta para conhecer! O trabalho em Veneza alimentava o meu estilo de vida e o meu blog de viagens mas tinha que relembrar constantemente a mim mesma que aquela era a vida que eu queria, que estava no auge - então porque é que não me sentia assim?!

Comecei a ter umas saudades loucas de casa por volta de Abril. Tirei um mês de férias para acabar a tese e matar essa saudades - mas não acabei a tese nem consegui afastar esse sentimento. Em Julho voltei à minha querida cidade de Erasmus - Nottingham. E fui tão feliz durante esses três dias. Parecia que estava mais feliz em todo lado menos na cidade que tinha escolhido para viver.

Via os meus amigos em Lisboa a desenvolver uma vida paralela à minha. Uma vida na qual eu só estava presente através do grupo do Whatsapp. Vi as fotos deles a passarem férias todos juntos, a levarem os namorados/as novas e isso partiu-me o coração apesar de ter estado com eles poucas semanas antes.

Decidi que tinha de voltar. O contrato da minha casa acabava no final de Agosto, os meus amigos estrangeiros em Veneza estavam igualmente a coincidir o fim do verão com o regresso às suas vidas em Inglaterra, Áustria, Turquia e Rússia respetivamente.

Despedi-me com muitas lágrimas mas convicta da minha decisão. Custou-me particularmente despedir-me daquele amor que poderia ter sido mas não foi.

Cheguei à Tuga sem saber bem o que esperar mas com a certeza daquilo que não queria. Poucas semanas depois conheci o Miguel e parece que tudo começou a encaixar: arranjei um novo emprego, um novo amor, estava integrada na vida dos meus amigos e da minha família, tinha dinheiro e estava instalada na minha casinha em Benfica - nunca me senti tão feliz como nos meses que sucederam o meu regresso!

De hoje a sete anos não vou provavelmente lembrar-me de todos estes detalhes. Vou olhar pras fotos de Veneza e fazer um esforço para me recordar do nome daquelas pessoas com quem partilhei tantas aventuras mas que a vida levou por outros caminhos. Já não vou lembrar-me ao pormenor dos dramas do Hostelsclub. "Porque é que nos chateávamos uns com os outros se vivíamos numa cidade tão linda e tínhamos tudo para ser felizes?" Pergunto distraidamente à Marta, enquanto embalo o meu filhote bebé na cadeirinha. Ela vai encolher os ombros. "Ainda não sabíamos o que eram problemas a sério", responde a Marta trocando de posição para amparar melhor a barriga de 8 meses. Eu rio-me. "Lembras-te dos passeios de barco? E dos almoços extravagantes? Lembras-te daquela vez em que fomos almoçar a uma ilha que só dá para ir de barco privado?".

Daqui a vinte anos vou contar aos meus filhos que vivi cerca de um ano em Itália. Vou contar-lhes da comida deliciosa, dos meus colegas internacionais no Hostelsclub, das praias de água quentinha em Lido, do meu despertar para a arte e para os museus, inspirada por toda aquela beleza que me rodeava. Eles vão fazer-me prometer que vamos a Itália nas férias, eu vou responder-lhes "Claro que sim" lamentando ainda não ter lá voltado.

Daqui a cinquenta anos, quando este ano estiver bem apertadinho na minha memória algures entre os meus 76 anos de existência, 2018 vai resumir-se a dois eventos:

O ano em que vivi em Itália.

O ano em que conheci o avô.

 
 
 

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