A minha fama inesperada na Indonésia
- Ana Henriques
- Nov 23, 2016
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“A Indonésia faz-nos sentir famosos”, conto aos meus amigos portugueses, eles riem-se, “Então porquê?” “Porque sou branca, porque sou diferente deles e isso faz com que toda a gente olhe e queira tirar fotos contigo”. Acabei de chegar do aeroporto de Lisboa, o meu cabelo castanho passa-me os ombros e o meu bronze, em pleno inverno, não passa despercebido. As gargalhadas deles são ainda maiores, “Mas tu estás igual a eles!”. Eu própria rir-me-ia desta história se não a tivesse vivido.
A primeira vez que me senti diferente estava com a minha família de acolhimento a tomar café num daqueles sítios que só servem cafés, estilo Starbuks, à entrada de um centro comercial. Estava um calor infernal em Semarang, a capital da Java central, na Indonésia (mais tarde percebi que naquela cidade está SEMPRE um calor infernal) por isso vesti uns calções e uma t-shirt. Tive o cuidado de perguntar à minha irmã de acolhimento se estava apropriadamente vestida (estou num país maioritariamente muçulmano, uma pessoa sabe lá!) e ela aprovou. Viro-me para eles e pergunto porque é que está toda a gente a olhar para mim. Quando digo toda a gente, quero dizer as crianças que apontam, os adolescentes que param para ver melhor, as miúdas que olham e trocam sorrisinhos. “É os calções, não é? Aqui ninguém anda de calções! Porque é que não me disseste Arlin?” Ela garante-me que não é por isso.
De facto, não há muita gente de calções, mas está tanto calor que fico exausta de uma pequena caminhada e a soar de todos os poros. Indiferente ao meu sofrimento, as raparigas da minha idade usam calças juntas, camisolas de manga comprida, meias e ténis. Inicialmente pensei que tinha uma razão religiosa por trás, a minha amiga elucida-me “É porque não querem bronzear-se”. Relembro as minhas colegas de casa em Barcelona que iam à praia à hora do almoço e espalhavam óleo no corpo… tudo em nome do bronze, relembro as vedetas na televisão que vão ao solário, as minhas amigas que usam cremes auto-bronzeadores e os anúncios que publicitam todo o tipo de produtos (até bebidas!) que prometem um bronzeado rápido e bonito. Estou estupefacta “Como assim? “. É como se nesta cidade o relógio andasse ao contrário, nas lojas vendem – se cremes com efeito branqueador, as atrizes das novelas nem parecem ser daqui de tão brancas que são e ir à praia, piscina ou qualquer actividade que implique apanhar sol é um sacrifício.
“Então se não é dos calções porque é que eles estão a olhar?”, pergunto eu nervosa, “Porque és estrangeira, tens um ar diferente. E as pessoas não estão habituadas a ver estrangeiros”. Protestei que não sou assim tão diferente, que tenho olhos castanhos, cabelo castanho e sou baixinha como toda a gente ali, “Mas és branca”.
Daí para a frente evitei os calções, comprei daquelas calças largas com padrões que são bem mais suportáveis que jeans e comecei a ficar um pouquinho menos branca a cada dia que passava. Desenganem-se se acham que isso fez a mínima diferença, continuei a dar nas vistas e a ser abordada na rua por pessoas das mais diversas faixas etárias e ocupações, desde taxistas, lojistas, pais que me sentam os filhos bebés no colo e os obrigam a sorrir para câmara, tão desconfortáveis estão eles ao colo de uma estranha como eu que não sei lidar com esta inesperada popularidade, “só mais uma, sorri filho!”. Pergunto-me o que dizem eles quando mostram aquelas fotos aos amigos e familiares “Encontrámos este animal exótico que ainda só tínhamos visto em filmes… parece que eles existem mesmo!”
Reconheço que por algum tempo achei piada a estas situações caricatas, acenava às crianças quando elas me olhavam embasbacadas e não dizia que não às selfies se estivesse com tempo. O dia em que fui ao Lakers, um complexo de luxo com piscina e bar num domingo à tarde foi, portanto, um ponto de viragem. Eu e a minha amiga suíça tínhamos consciência que iriamos dar nas vistas quando entrássemos na piscina em bikini. Aqui as mulheres não se cobrem menos só porque estão na água (o risco de bronze é tão ou mais elevado!) portanto usam uns fatos de banho estilo surfista, mas com de manga curta e calções, as crianças (meninas e meninos) também usam uma destas fatiotas e só mesmo os homens é que usam calções iguais ao que estamos habituados a ver na praia. Já tínhamos ido à piscina em Semarang antes e tinha sido bastante agradável, estávamos ansiosas por experimentar esta que tão bem nos tinham falado. Trocamos a roupa interior por bikini e voltamos enroladas na toalha, como que avaliando a situação. As crianças chapinhavam na piscina, as senhoras conversavam à sombra, nada que nos fizesse antecipar o estranho momento que se seguiu. Coloquei a toalha na espreguiçadeira, tirei o meu livro da mochila e preparei-me para uma tarde de leitura ao sol. Não tinha lido uma página quando descolo os olhos do livro e sinto como se estivesse numa peça de teatro para a qual não ensaiei, homens olham fixamente como se nunca tivesse visto o corpo de uma mulher, duas miúdas riem-se e começam a aproximar-se até estarem de frente para mim e apontam-me, sem dó nem piedade, a câmara do telemóvel. Sei agora o que sentem os atores que partem a câmara aos paparazzi, relembro o ar de gozo delas é apetece-me voltar a esse momento e empurrá-las para a piscina. Em vez disso fiquei paralisada, sem saber se cobria as pernas, a barriga ou a minha cara de choque. Elas continuaram a rir e saíram de cena como se nada fosse e os homens continuavam a assistir ao espetáculo. Poderia ter-lhes oferecido pipocas, mas ainda estava a assimilar o que me tinha acontecido, tal como a minha amiga, que olhava para mim horrorizada.
Depois desse incidente, ainda passei mais uma semana em Semarang. Continuei a tirar fotos com estranhos, mas decidi que ninguém tem o direito de me fotografar sem pedir autorização, à conta disso vi a deceção estampada no rosto de várias pessoas por cada vez que eu punha a mão à frente do meu. Qual não foi o meu alívio quando cheguei a Kuta, em Bali, e percebi que aqui seria mais uma morena baixinha no meio de tantas outras morenas baixinhas.
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